quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Artigo: Batalha pela vida

Giovanni Guido Cerri

É consenso entre os gestores da saúde pública de que urge, em todo o Brasil, um programa integrado de assistência à dependência química. Recentemente o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ocupou este espaço para abordar, com propriedade, a necessidade de reestruturação da rede de serviços do SUS (Sistema Único de Saúde) para se criar as condições necessárias a este enfrentamento.

No Estado de São Paulo foram criados, nos últimos anos, cerca de 400 leitos de internação de dependentes em álcool, crack e outras drogas, como alternativa terapêutica complementar ao acompanhamento ambulatorial realizado nos Caps (Centros de Atenção Psicossocial). A proposta do governo estadual é dobrar este número até 2012.

Uma questão particular e especialmente preocupante, nesta área, e que vai além da já constatada necessidade de se fortalecer a rede de assistência aos dependentes químicos, é o início cada vez mais precoce do consumo de bebidas alcoólicas entre crianças em adolescentes. Quando o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) foi aprovado, há 20 anos, os jovens começavam a beber com 18 anos, em média. Hoje esta realidade mudou, e para pior.

Levantamento da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo aponta que 80% dos pacientes em tratamento de alcoolismo no Cratod (Centro de Referência em Tratamento de Álcool, Tabaco e outras Drogas), na capital paulista, deram o primeiro gole antes dos 18 anos, parte deles muito jovens, com 11 ou 12 anos. O consumo de álcool, tolerado na sociedade, é na verdade uma bomba relógio com efeito retardado.

Parte das pessoas que começam a beber na infância e na juventude torna-se, mais tarde, abusadora dessas substâncias. Daí para a dependência química é um passo. Prevenir e coibir o consumo de álcool entre crianças e jovens é fundamental para evitar os sérios danos à saúde decorrentes do alcoolismo, além de acidentes, violência e todos os problemas sociais associados à ingestão excessiva e regular de bebidas alcoólicas.

Trata-se de uma verdadeira “batalha pela vida”, que o Estado de São Paulo se propõe a enfrentar por meio do recém-lançado Plano Estadual de Combate ao Álcool na Infância e Adolescência, que conta com o apoio do Ministério Público de São Paulo e representantes da indústria, bares, supermercados e restaurantes.

O programa, que é intersecretarial, prevê ações para tratamento, educação e fiscalização do consumo indevido de álcool por adolescentes em todo o Estado, além da intensificação das blitze da polícia para flagrar e punir motoristas alcoolizados.

Tramita na Assembleia Legislativa do Estado um projeto de lei encaminhado pelo governador Geraldo Alckmin que endurece de forma exemplar a punição a estabelecimentos que ofereçam, vendam ou permitam o consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes ou crianças.

Além de prevê multas mais altas, interdição e até a cassação do registro dos estabelecimentos que descumprirem a legislação, o projeto toca em um ponto essencial, obrigando os comerciantes a exigirem documento de identificação para realizar a venda ou deixar que bebidas alcoólicas sejam consumidas no local. A punição, portanto, se estende ao consumo, e não apenas à venda de bebidas alcoólicas.

Mesmo que as origens do problema ultrapassem a barreira da área de saúde pública, a expansão da rede de assistência médica é fundamental para tratar aqueles que, lá atrás, iniciaram de forma “recreativa” o consumo de bebidas alcoólicas, depois passaram a abusar dessas substâncias e criaram dependência crônica.

Na cidade de São Paulo, o Hospital das Clínicas da FMUSP terá um prédio voltado, exclusivamente, ao tratamento de dependência química. Com 52 leitos, dos quais 40 para adultos e 12 para adolescentes, o local também abrigará uma unidade do Centro de Atenção Psicossocial (Caps-ad), que atenderá 25 pacientes de alta complexidade por dia, e uma unidade do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que receberá até 14 famílias diariamente.

O centro do HC contará com equipes multidisciplinares, com assistentes sociais, enfermeiros e psicólogos, responsáveis por conhecer o cenário social do paciente: se ele tem emprego, família, quem são os amigos e se o uso de drogas e álcool faz parte do dia-a-dia dele. Também haverá escritórios, centros de pesquisa, salas de aula e salas de reuniões para familiares. A unidade, que deverá ser implantada em uma área de 3 mil metros quadrados do Hospital Cotoxó (serviço hospitalar do HC no bairro da Pompéia), terá como finalidade, além da assistência aos dependentes químicos, testar novos tratamentos e expandi-los para outras regiões do país.

Em Botucatu, interior paulista, o governo está investindo mais de R$ 12 milhões para a implantação do Serviço de Atendimento Psiquiátrico para Dependentes Químicos, Álcool e Drogas, que começará a funcionar no primeiro semestre de 2012. Serão 3,7 mil m² de área construída divididos em oito blocos, com 76 leitos, dos quais 10 voltados para desintoxicação. Outras regiões do Estado também contarão com serviços de internação especializados em álcool e drogas.

A proposta das novas clínicas de reabilitação para dependentes químicos é que, além de medicação específica, os pacientes em tratamento recebam atendimento psicológico individual e coletivo e participem de atividades físicas e esportivas, além de realizar terapias ocupacionais, como oficinas de pintura, artesanato e expressão corporal, entre outras.

É importante que todos, tanto a sociedade quanto os profissionais da saúde, se unam para encarar essa batalha pela vida. Não há espaço para dúvidas ou indiferenças. O momento é de enfrentar o inimigo, unindo forças e trabalhando em prol do bem comum.

Giovanni Guido Cerri, médico e professor da Faculdade de Medicina da USP, é secretário da Saúde do Estado de São Paulo

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